segunda-feira, 28 de junho de 2010

Cine nós

O cinema é muito,muito mais do que pensamos e já isto que digo é chavão,mas é isso. Na 'Misteriosa chama da rainha Loana' de Umberto Eco está lá posta uma enxurrada de imagens, citações, trechos de poemas, músicas, trechos de vida que a arte vai sedimentando em nossa memória e já que não vamos lá com tanta frequencia esses pedacinhos de vida ficam pulando para nosso consciente. Para explicar como é estar triste é melhor lembrar a cena de um filme, para dizer o que queremos de alguém que acabamos de conhecer buscar um trecho de música, tomar emprestado dos artistas as descrições,muito mais bonitas e elegantes que nossa pobre vivência. Que desde sempre muito mais que a Ciência a arte explica melhor o que fazemos por aqui...


Indivíduo e Sociedade
Comentários da filmografia apresentada no semestre.


Não existe realidade dada a priori, esta é construída pelo indivíduo através da interação com seu ambiente, indivíduos e grupos com os quais interage. Viver sem reparar como esta construção se dá é como se estivéssemos em uma redoma, mas para desenvolver-nos em algum momento será necessário percebê-la. No filme ‘A vila’, podemos observar a naturalização da ‘realidade’, vemos que a protagonista vive em um ambiente idealizado, construído literalmente, por pessoas que vieram antes dela. Felizmente não é possível manter-se imóvel, nesse caso a vida dá pistas de que há algo mais, como em ‘O Show de Truman’, bem como coloca dilemas que nos obrigam a nos defrontar com as fronteiras que julgávamos ser o fim do nosso mundo, como Truman chegando ao ‘horizonte’ e descobrindo uma porta no cenário que ele sempre pensou ser seu mundo. Depois desta descoberta, nada é como antes, surgem opções antes não pensadas, novas sensações e diferenças na percepção das pessoas, esse ‘desconcerto’ do indivíduo não é tão tranqüilo, até por que não se dá de forma informativa através do outro, se dá pela experiência, como vimos na história do Dr MaCkee, em ‘Um golpe do destino’.
Daí,podemos então retornar ao 'casulo' ou buscar modificar esta realidade, que se trata de um processo dinâmico. Algo nos movimentará ou paralisará na busca do equilíbrio, ou seja, que fez ‘D. Juan de Marco’ diante da constatação do esfacelamento de sua realidade? Criou outra bem a seu gosto! Se ‘transformou’ em outra 'pessoa', passando viver de acordo com sua lógica própria, essa ‘opção’ por viver a seu modo, levanta inclusive questionamento sobre os parâmetros para consideramos alguém ‘normal’ ou ‘insano’, dizer se ele está ‘dentro’ ou ‘fora’ da realidade, a pergunta que viria primeiro é: De que realidade estamos falando?
Quem estaria com a verdade? Figuras como D.Juan e Edward Bloom (Peixe Grande), que encontraram formas mais criativas de narrar sua existência driblando uma realidade que os paralisava ou pessoas como o psiquiatra de D. Juan ou a Dona Canguru (Horton) paralisados em suas vidas normais, por falta de olhar além de seus limites?

Não somos ‘criados’ no sentido de educação doméstica e escola formal, para a autonomia, apesar de indivíduos, o que suporia uma instância pensante por si, somos criados copiando experiências prévias dos outros, ou seja, indivíduos, mas com pouca coisa ‘nossa’.
Penso que transcender essa linearidade do conformismo é uma necessidade urgente da humanidade, precisamos ‘olhar além’... Assim como Horton estarmos atentos para ‘os sons’ da vida. Essa percepção de que existem realidades, simultâneas e significadas por cada indivíduo de uma forma diferente, pode nos tirar da zona de conforto da mesmice e nos remete a pensar em como nos mover nessa dinâmica. Uma proposta interessante é transgredir na forma de fazer as coisas, na profissão, a exemplo de ‘Patch Adams’, personagem do filme homônimo, que no cotidiano materializa em ações sua visão de mundo, chocando os mais conservadores, porém sem abandonar seus objetivos, mesmo que não acreditem nele, assim também como Horton e Lutero que sozinhos diante da maioria escandalizada com suas posições, mantiveram sua ‘fé’.
Algumas fontes ‘seguras’ tentam nos fornecer algumas respostas de como devemos ‘estar no mundo’, família, escola, grupos que participamos, por outro lado, de forma mais elaborada a Ciência, Arte, Filosofia e Religião dão suas respostas as indagações humanas. Porém, além das respostas, há mais algo que se pensar, por que nos acomodamos com elas? Deixando escapar os sinais que nos indicam que é tudo muito mais dinâmico e complexo do que imaginamos, ou seja, de que a realidade não é linear, estática, capturável. Coisas acontecem conosco e não são só de ordem biológica, psíquica ou social, mas um misto. Isto requer que desenvolvamos nossas potencialidades, que como os cegos (Janelas da Alma), apuremos os outros quatro sentidos para tatear, cheirar, ouvir e degustar nossas experiências de forma mais rica. No filme ‘Quem somos nós’ podemos observar a multicausalidade de nossos comportamentos e a importância de transcendermos o conformismo nos reinventado a cada dia.
Também os sistemas de conhecimento que guiam a humanidade trazem no momento atual reflexões acerca de seus caminhos futuros e do papel do homem na sua relação com o mundo físico e espiritual. Estudiosos, a exemplo de Fritjof Capra, em seu livro ‘O ponto de Mutação’, do qual assistimos uma adaptação, apontam a necessidade de uma mudança radical na relação com o planeta para que possamos garantir o futuro de nossa espécie, a ciência se lança em novos paradigmas, as religiões perdem espaço para a religiosidade como instrumento para alcançarmos o bem estar e a solidariedade. No campo político em nosso país a participação popular cresce transcendendo a visão reducionista perpetrada pela mídia que estimula o cidadão a se manter fora das decisões propagando que ‘todo político é ladrão’.
Leonardo Boff nos alerta em seu texto a necessidade de ‘cuidarmos’ de nós e dos outros, de nos reencantarmos pelo mundo, povoando o deserto criado pelo pseudo progresso do sistema capitalista, que estimula à competição e o consumo como elementos identitários dos seres. Não devemos negar os avanços benéficos da Ciência, na área de saúde principalmente, mas é preciso, além de progresso tecnológico, mais respeito à diversidades dos povos e de suas formas de vida, as sociedades não estão umas para as outras como dispostas em uma escada cuja base se reserva as ‘inferiores’ e o topo às ‘superiores’,voltando à dinâmica e complexidade da realidade, sociedades e alguns indivíduos, mesmo que não criados como tais, vivem simultaneamente a seu modo, que por mais que pareça estranho sob a lente etnocêntrica, tem sua lógica interna.Um bom exemplo disto são os remanescentes de Quilombos, que a despeito do aparente ‘atraso’ nos calam com suas concepções sobre a natureza, a felicidade e a solidariedade, como visto no documentário ‘Quilombos da Bahia’ de Antônio Olavo.
É preciso mais respeito e entendimento das diferenças, em alguns espaços já vemos mudanças de paradigma e iniciativas particulares de fazer as coisas de forma diferente, mesmo que isso cause estranhamento. Desse estranhamento inicial podemos destacar como um exemplo, mesmo que simplório, dada a dimensão do fenômeno, os contos de fadas e uma revolução na forma de apresentá-los no filme ‘Shreck’. Ora, as histórias infantis de temática eurocêntricas permearam a nossa infância, sonhos infantis de muitas crianças negras buscando desesperadamente se identificar com a ‘loirisse’ das princesas, por falta de referencial de sua etnia, ou a busca de identificação com tipos físicos e culturais distantes dos nossos.
O molde do príncipe branco e lindo e da princesa à espera de seu salvador nortearam por muito tempo o comportamento de homens e mulheres, o filme aponta pra uma mudança nesse paradigma de relacionamento. O galã não é o príncipe e sim um ogro, a meu ver uma crítica à estética ariana, a princesa não está indefesa a espera de salvação, é autônoma e decidida lutando junto a seu salvador e por vezes o protegendo tomando iniciativas, perfil muito mais condizente com o protagonismo da mulher moderna.
Que ‘estranho’ ver um ogro como protagonista, ver uma princesa se transformar em ogra para ficar com ele, já que o processo de ser o ‘outro’ era sempre por parte do não aceito socialmente ‘ se melhorar’ assumindo a cultura do ‘superior’. Que desconforto um torneiro mecânico presidente deste país (sem exaltações, uso isto apenas como ilustração), negros e índios tendo posse de terras reconhecidas, idosos, mulheres e crianças com leis específicas que resguardem seus direitos. Numa sociedade construída sob a égide da exploração ver minorias ascendendo realmente causa ‘desconforto’ para quem detém o poder. Indo mais além devemos nos questionar também se se trata mesmo de revoluções em espaços específicos ou se é apenas cumprimento de leis,mas sem uma mudança significativa na visão que temos de determinados grupos.
Por fim, como que descortinando o que está por trás de ‘histórias perfeitas’, que sempre acabavam bem, o ‘felizes para sempre’ vem com a continuidade da vida ‘real’ dos protagonistas, a formação da família de Shreck e Fiona, reforçando a meu ver a importância do reencantamento ou multiplicidade de formas de relacionamentos seres humanos, bem como da família para o futuro da humanidade.

domingo, 6 de junho de 2010

Café com leite no Garrafão

Quando era minha vez de pegar ia chorando para o céu,disfarçava,mas não saia da brincadeira e piorou brincar como 'café com leite'. Uma vez café com leite podia esquecer ser como os outros,mais corajosos, fortes que aguentavam tudo sem chorar.Nessa brincadeira quem era pego ia apanhando até o céu... Inferno da necessidade humana de estar em grupo...
Desenhávamos um garrafão no chão, brincavam quantos quisessem, um pegava e os outros tinham que não ser pegos. Dentro do garrafão, se entrasse pela boca, podia andar de dois pés, se entrasse pela linha lateral tinha que ficar de um pé só.
Mas tinha um poder comum a todos,momento até de quem era café com leite controlar a brincadeira: Fechar a boca do garrafão!
Aí só se entrava ou saia por debaixo das pernas de quem fechou,aí eram as coligações políticas que funcionavam, os mais próximos combinavam de fechar a boca com eles dentro e de dois pés!
Mas voltando às regras,quem estava de um pé só não podia tocar o outro no chão e não podia entrar pela linha lateral.Regras rígidas, quem era pego podia apanhar de todos ?! Inocência da infância...
Voltei a isso para reafirmar que continuo pensando da mesma forma,não dá pra ser café com leite, é u ó, ninguém lhe quer na brincadeira.Sempre me fascinou o tato dos mestres da literatura para escrever suas reminiscências de infância. Com a lembrança do garrafão entendi como pode ser( ousadia né?!Machado de Assis me perdoa), é dilacerante o retorno das imagens. Lembro dos participantes, do chão de barro, de quantas poças tinha no chão (?!) E daquelas doces crianças e da doce melodia dos murros nas costas de quem era pego, eu fui várias vezes...
Mas café com leite nunca.